Têm sido recorrentes as notícias de acidentes de vazamentos de gases em processos industriais, alguns profundamente trágicos em relação às perdas de vidas e às consequências ecológicas. Em uma década, dois foram particularmente alarmantes. Em março de 2001, ocorreram explosões na P-36, operada pela Petrobrás na Bacia de Campos, a 130 km do estado do Rio de Janeiro, que levaram ao afundamento da plataforma. Relatório da Agência Nacional do Petróleo (ANP) aponta, entre as principais causas do acidente, que deixou 11 mortos, a ausência de dispositivos de detecção e contenção de gases em uma área negligenciada como de risco. Em abril de 2010, no golfo do México, a 17 km da costa da Lousiana, EUA, uma plataforma operada pela British Petroleum pegou fogo após explosão. Em decorrência, o sistema automático de controle da válvula instalada no fundo do mar falhou e permitiu o vazamento, a muito custo controlado, desencadeando um dos mais trágicos desastres ecológicos de que se tem notícia. Estes dois exemplos mostram a importância de desenvolvimento de controles eficazes nos sistemas produtivos que envolvem risco.
É nesse contexto que se situa o trabalho desenvolvido pelo engenheiro químico e professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, Sávio S. V. Vianna, que desenvolveu a ferramenta denominada OPTIMI, um software que permite determinar o número mínimo de detectores de gases que deve ser utilizado em uma área industrial e em que locais devem ser colocados para garantir 100% de cobertura em relação à detecção de vazamentos.
O docente explica que todas as unidades de processos precisam manter detectores de gases. Até algumas décadas, a localização desses instrumentos era feita de forma empírica e baseada em experiências de campo. Com o desenvolvimento, em décadas mais recentes, da modelagem computacional de escoamento de gases, consegue-se obter uma descrição melhor de como se distribui espacialmente a nuvem gasosa, o que facilita a decisão sobre a alocação dos detectores.
Apesar dessa evolução, as decisões de onde colocar os detectores de gases resultam ainda de experiências de campo e de decisões pessoais dos técnicos e engenheiros. Com isso, não se tem garantia de que os detectores estejam em número e posições mais adequados e nem de que oferecem garantia de 100% de cobertura. Outro problema é o da falha espúria, assim chamada quando o detector dispara mesmo na ausência de gases. Dispositivos em excesso facilitam essa ocorrência e desacreditam o sistema diante do número de alarmes falsos, que não são mais levados a sério pelos operadores, que chegam até a desligar detectores.
Esse quadro motivou o pesquisador na procura de um modelo de cunho matemático, utilizando um algoritmo específico, que permitisse determinar o número de detectores efetivamente necessários e sua melhor localização para atingir uma forma ótima, de maneira a garantir uma cobertura de 100% de uma determinada área industrial.
A ideia, então, foi juntar as possibilidades oferecidas pela técnica Computational Fluid Dynamics (CFD), já muito bem desenvolvida, que faz exclusivamente a simulação da dispersão da nuvem de gás, com a otimização por ele pretendida de desenvolver um novo software que permita determinar o número ideal e a localizações ótimas de detectores.
O estudo visou desenvolver um programa para juntar o melhor de dois mundos em uma nova ferramenta, que não tinha ainda sido desenvolvida em qualquer lugar do mundo, com as características a que ele se propôs. A ferramenta combina os resultados da simulação tridimensional da dispersão de gases com técnicas de otimização. Fornece a localização espacial de detectores de gás combinado com o modelo 3D da planta do processo. O programa está customizado para resolução de problemas de cobertura de conjuntos e já foi testado no Brasil e na Europa.
Em vista dessa inovação, o docente está trabalhando junto com a Agência de Inovação Inova Unicamp em um processo de patente para a nova metodologia. Nesse processo, ele se deu conta de que havia inovação tanto no algoritmo utilizado na ferramenta quanto na metodologia em si, mesmo porque não existe ninguém trabalhando nessa direção tanto no país como fora dele.
Por ocasião de um congresso internacional em Roma, o pesquisador teve oportunidade de entrar em contato com um grupo norueguês que desenvolve um software de dispersão de vazamento de gases e interessado em comprar a ferramenta de otimização, para ampliar o atendimento a seus clientes. A empresa não dispõe de um link que permita utilizar as informações correspondentes à dispersão gasosa para determinar a posição dos detectores de gases. A constatação de que se tratam de duas tecnologias inovadoras o leva a afirmar que “nesse campo, a Unicamp está desenvolvendo uma tecnologia de ponta”. O trabalho proporcionou o desenvolvimento de um software que combina fluidodinâmica computacional e programação matemática para otimização e localização de detectores de gás. O programa ainda combina os resultados com arquivos CAD (Computer Aid Design) para melhor visualização.
A FERRAMENTA
O software OPTIMI permite, portanto, determinar qual o número mínimo de detectores necessários e como devem ser dispostos para 100% de cobertura em um determinado espaço na forma tridimensional. Para tanto, a ferramenta utiliza os resultados da mais avançada tecnologia que simula vários cenários para dispersão de gases decorrentes de vazamentos, com a elaboração de mapas dos possíveis tamanhos de nuvens inflamáveis que possam se formar, levando em consideração velocidade e direção dos ventos, temperatura ambiente, direção e localização do vazamento.
Uma vez informado do tamanho da região do espaço em estudo – como, por exemplo, o ocupado pela área de craqueamento em uma refinaria – o programa divide esse espaço em áreas menores, as subáreas (em forma de cubos), determinadas em função do tamanho da menor nuvem de gás formado. Cada um dos cubos é candidato a receber um detector. O sistema determina quais deles deve efetivamente recebê-los.
Se houver necessidade, ele permite também o favorecimento de subáreas, que devem ser priorizados com peso maior, como aquelas em que se localizam mais válvulas, mais tomadas de instrumentos.
A ferramenta ainda permite mostrar a posição dos detectores na planta industrial tridimensional. Segundo o docente, trata-se de uma informação importante porque possibilita que técnicos de manutenção e operação possam antecipadamente avaliar a praticidade do projeto, evitando que detectores sejam colocados em locais de acesso problemáticos ou complicados. Incorporadas as alterações necessárias, a nova distribuição dos dispositivos é então implementada, ainda na fase de projeto, de modo a que a nova distribuição garanta ainda 100% de cobertura. Essa etapa final do projeto, que antecede a sua execução, em que se realizam os chamados “testes de sanidade”, mostra que o software permite a contribuição prática de técnicos e engenheiros para a escolha da melhor solução final.
O professor lembra que o programa pode resolver problemas de otimização discreta, que são os que envolvem valores precisos, caso do número e distribuição de antenas de celulares, de viaturas policiais em uma cidade. Vianna lembra que a ideia do estudo veio-lhe em 2002, quando se discutia o problema de cobertura dos celulares, já que demandam soluções análogas.
O docente conta que, quando ainda por ocasião do final doutorado em engenharia mecânica na Universidade de Cambridge, Inglaterra, conseguiu verba extra da Capes para trabalhar com o desenvolvimento de software para otimização de detectores de gases, retomando um estudo que embrionariamente já havia começado ainda por ocasião do mestrado na Coppe-URFJ, utilizando duas dimensões, embora já soubesse da possibilidade de ampliá-lo para três dimensões.
Ao vir para a Unicamp, no início do ano passado, continuou as pesquisas nessa área utilizando verba do Faepex (Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão), mantido pela Unicamp, que tem por finalidade prover recursos para incentivo e apoio a projetos e atividades de ensino, pesquisa e extensão que contribuam para o enriquecimento da vida acadêmica. Os recursos utilizados pelo pesquisador vieram através de uma das linhas de pesquisas oferecidas pelo Fundo, que oferece, entre outros, auxílios à Pesquisa Para Docentes em Início de Carreira (PAPDIC).
DERIVAÇÕES
O engenheiro químico Caio Biondi, graduado na Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, resolveu investir um tempo adicional no mestrado na Unicamp atraído pela sua projeção nacional e internacional e por desejar trabalhar em um centro de pesquisas. Depois de cursar as matérias teóricas nos seis primeiros meses, passou a trabalhar, em 2013, com o professor Sávio Vianna com o objetivo de expandir o uso da ferramenta por ele desenvolvida com vistas à sua otimização em processos químicos. Neste caso ele se propôs a fazer a customização do método, ou seja, o desenvolvimento de um software específico que permita estabelecer as melhores condições de operação de uma planta da indústria química. Para tanto, está desenvolvendo a modelagem matemática para problemas contínuos.
Como modelo inicial ele começou a estudar uma refinaria de petróleo, do qual se extraem varias frações, inclusive de gasolinas, que têm um preço de produção e um preço de venda. O software em desenvolvimento deve ter condições de determinar que quantidades dessas frações possíveis devem ser produzidas ao menor custo e com a máxima rentabilidade, que é uma das funções da engenharia química.
O professor Vianna lembra que softwares com essa finalidade já existem no mercado, mas são extremamente caros, o que justifica o desenvolvimento de uma tecnologia brasileira, principalmente para atender empresas de menor porte. Ademais, o estudo contribui para a formação de recursos humanos para atuar no país.
FONTE: Unicamp