No mês de luta das mulheres, a Fisenge entrevistou Maria da Penha, uma lutadora intransigente pela não violência contra a mulher:

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FONTE: http://fisenge.org.br/2013/03/05/mulheres-entrevista-exclusiva-com-maria-da-penha-2/

 

No mês de luta das mulheres, a Fisenge entrevistou Maria da Penha, uma lutadora intransigente pela não violência contra a mulher. Maria da Penha sofreu anos atos de violência de seu companheiro e duas tentativas de homicídio. Na primeira vez, ele atirou simulando um assalto e, na segunda, tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, ela ficou paraplégica. Nove anos depois, seu agressor foi condenado a oito anos de prisão, mas foi solto depois de dois anos de prisão. O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. Hoje, Maria da Penha dá nome à lei 11.340, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Fisenge: A reforma do Código Penal prevê uma proposta que altera as penas instituídas pela Lei Maria da Penha, representando um verdadeiro retrocesso nos direitos das mulheres, uma vez que a lei aumentou o número de denúncias. A avaliação dos que estão a favor das mudanças no Código Penal é de que a prisão não resolve, considerando o precário sistema penal no Brasil. No entanto, não atribuir prisão à agressão familiar e doméstica, não seria desconsiderar o ato como crime? Qual a sua avaliação sobre esta proposta?

 

Maria da Penha: Certamente. Agora temos a referência de uma das leis mais avançadas da legislação brasileira, porém sabemos que muitos operadores de direito insistem em fazer “interpretações” da Lei de acordo com suas inclinações pessoais e uma anterior formação acadêmica preconceituosa. Hoje, minha grande luta é para que haja uma uniformização na aplicação da Lei Maria da Penha para evitar que o viés machista da nossa cultura interfira na aplicação correta da Lei Maria da Penha. Sabemos que, qualquer mudança legislativa ou não, para ser corretamente aplicada exige durante um razoável espaço de tempo, investimentos em educação e criação de políticas públicas para atingir os objetivos a que se propõe. No caso específico da Lei Maria da Penha existe uma maior resistência de alguns dos operadores envolvidos, pois trata de uma ação afirmativa que veio para corrigir uma injustiça histórica no tratamento da mulher em nossa sociedade. Hoje não precisamos mais aguentar caladas, por anos a fio a violência sofrida dentro do nosso próprio lar.

 

Fisenge: Os centros de referência e as “casas abrigo” no Brasil têm estrutura para receber as mulheres vítimas de violência doméstica?

 

Maria da Penha: A Lei prevê os seguintes equipamentos de atendimento à mulher: Casa Abrigo, Centro de Referência, Delegacia da Mulher e Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Infelizmente, só encontramos estes mecanismos nas grandes cidades, mas a Lei prevê que, em cada município, com mais de 60 mil habitantes, eles devem existir, mas para isso precisa haver compromisso. Muitas vezes, estes equipamentos estão sucateados ou não possuem a equipe de atendimento correta. Aqui mesmo em Fortaleza, na minha cidade, só existe uma delegacia da Mulher para aproximadamente 2,45 milhões de habitantes, a primeira que foi criada no ano de 1986, e está em péssimas condições físicas.

 

Fisenge: Hoje, você mudaria algum ponto da lei?

 

Maria da Penha: Eu acho que o que precisa ser melhorada não é a Lei. No nosso entendimento, o que precisa acontecer é uma capacitação dos operadores de direitos para uma correta aplicação da Lei e uma sensibilização do poder público para que este implemente em suas cidades políticas públicas de atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.

 

Fisenge: Que conselho você daria para as milhares de mulheres que sofrem violência doméstica e ainda continuam no silêncio?

 

Maria da Penha: Eu sei que não é fácil romper com o ciclo da violência e denunciar aquela pessoa que, um dia, acreditamos que seria o pai dos nossos filhos, com quem formaríamos uma família, mas a mulher precisa entender que merece uma vida digna e longe do medo. Viver sem violência é um direito de todas. Quando a violência acaba, a vida recomeça.

 

Fisenge: Poderia falar um pouco sobre as atividades e iniciativas do Instituto Maria da Penha?

 

Maria da Penha: O Instituto Maria da Penha com sede em Fortaleza e com representação em Recife é uma organização não governamental sem fins lucrativos, que nasceu a partir da minha história de vida. Sua criação, em julho de 2009, partiu da necessidade de institucionalizar as minhas ações para que pudessem atingir um maior número de pessoas e garantir a continuidade da minha luta de 28 anos. Com este objetivo surgiu o IMP, dedicado a contribuir e fortalecer mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em conformidade com o art. 1º da Lei Maria da Penha, bem como monitorar a implantação e desenvolvimento das melhores práticas e políticas públicas para o seu cumprimento, contribuindo para a construção de uma sociedade sem violência doméstica e familiar contra a mulher e com equidade de gênero. Para isso, contamos com o apoio da sociedade civil organizada e de instituições verdadeiramente envolvidas com seu papel de transformador social, imprescindível para que possamos avançar no enfrentamento a violência doméstica e familiar contra a mulher. Maiores informações sobre o IMP na página eletrônica e facebbok: www.institutomariadapenha.org.br Facebook.com/InstitutoMariadaPenha

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