Unicamp:
A tese de doutorado do engenheiro de computação Guilherme Nunes Nogueira Neto é dedicada integralmente aos voluntários anônimos que colaboraram com suas investigações. A esperança destes pacientes, alimentada pela expectativa imposta por suas próprias condições de vidas, marcou os testes conduzidos pelo pesquisador da Unicamp. Ele, porém, teve de se manter firme à realidade, frustrando, algumas vezes, os sonhos destas pessoas.
“Uma pergunta emblemática que o lesionado medular faz quando chega ao nosso laboratório é: ‘escuta, mas eu vou voltar a caminhar?’ Infelizmente, temos de deixá-lo alerta quanto à realidade do problema, explicando que, inicialmente, é só um exercício. Mas, no fundo, eu acredito que a estimulação elétrica neuromuscular tenha perspectivas futuras”, prevê Guilherme Nogueira.
O seu doutorado foi defendido no início deste ano junto à Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. A proposta do trabalho consistiu em viabilizar um sistema automático de estimulação elétrica para lesionados medulares, empregando uma nova técnica de controle motor.
“Nós já conseguimos, em ambiente de laboratório, que alguns pacientes fiquem de pé, apoiados em barras. Agora, o próximo passo é fazer com que eles deem alguns passos para que possamos monitorá-los. Existe toda a possibilidade que isso aconteça por meio da estimulação elétrica. O grande problema é sempre a etapa fora do laboratório, ou seja, fazer com que isso se transforme num sistema no qual os voluntários usem na rua, em casa, no dia a dia”, reconhece.
O principal ganho do sistema de estimulação elétrica neuromuscular é o benefício à qualidade de vida dos pacientes, embora ainda não seja possível recuperar os movimentos naturais perdidos pela lesão. As investigações podem, no entanto, auxiliar no desenvolvimento de novas terapias que permitiriam a realização dos sonhos dos lesionados.
O sistema elaborado pelo pesquisador da Unicamp restaura, artificialmente, as funções perdidas pela musculatura, que ficaram inativas, muitas vezes, por longo período. O diferencial é o monitoramento e controle automático dos movimentos por meio da mecanomiografia, grandeza mecânica responsável por registrar a vibração dos músculos em contração.
O estudioso afirma que os exercícios utilizando a estimulação elétrica neuromuscular previnem uma série de acometimentos comuns aos lesionados medulares, como má circulação sanguínea, incontinência urinária e intestinal, osteoporose, úlceras, trombose, embolia pulmonar, entre outros. “O sistema traz benefícios do ponto de vista fisioterapêutico e fisiológico, podendo auxiliar médicos, clínicas de fisioterapia, além de pesquisadores que trabalham na área”, garante o engenheiro da computação.
De acordo com ele, o método funciona por meio de um equipamento controlado por um software. O trabalho é resultado de parceria entre a Unicamp e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), da qual Guilherme Nogueira é docente. O pedido de patente já foi requerido junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
A orientação da pesquisa de Nogueira coube à docente Vera Lúcia da Silveira Nantes Button, do Departamento de Engenharia Biomédica da FEEC. O professor Percy Nohama, que atua na PUCPR e na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), coorientou o estudo. Houve financiamento parcial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O pesquisador da Unicamp informa que os ensaios com voluntários lesionados e hígidos (não lesionados), ambos sem treinamentos prévios, foram realizados no Laboratório de Engenharia de Reabilitação (LER) da PUCPR e na Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFPR). Os testes foram divididos em quatro etapas.
SISTEMAS DE CONTROLE:
A estimulação elétrica neuromuscular tem auxiliado lesionados medulares a contornar as dificuldades impostas pela perda de movimentos. Os estímulos elétricos de baixa intensidade ativam a musculatura, permitindo a realização de movimentos funcionais durante os exercícios.
A técnica necessita, porém, de sistemas de controle artificiais devido à perda, pela lesão medular, do controle motor natural daquele membro. Fenômenos como a fadiga muscular também comprometem os movimentos realizados pela estimulação elétrica, complementa o engenheiro da computação.
“A constituição muscular dos lesionados é diferente da nossa. Portanto, a capacidade de sustentar uma posição, mesmo que artificial, para eles é bem difícil. A musculatura é mais fraca. A perda de desempenho por conta destes fatores é um dos problemas que a estimulação elétrica neuromuscular enfrenta”, expõe Guilherme Nogueira.
É neste sentido que os sistemas de controle vêm sendo estudados e aperfeiçoados, situa o pesquisador. “A ideia do nosso trabalho foi usar uma nova estratégia como sistema de controle, capaz de acompanhar, indiretamente, as condições metabólicas e fisiológicas da musculatura durante o exercício. Existem algumas técnicas clássicas, como o acompanhamento de lactato e a utilização da eletromiografia, procedimento mais convencional empregado para monitorar as contrações musculares”, explica.
ALTERNATIVA:
A inovação da pesquisa, assegura Guilherme Nogueira, foi utilizar outra técnica que permitisse um monitoramento mais eficiente. “A estimulação elétrica é uma grandeza elétrica, assim como a eletromiografia. Desenvolvemos um primeiro sistema a partir da eletromiografia, mas ele não era rápido suficiente. Por se tratar das mesmas grandezas, um sinal interferia no registro do outro. A ideia foi partir para uma alternativa, usando a mecanomiografia, que monitora a grandeza mecânica”, justifica.